Revista Contracampo - n.1 ISSN:1414-7483 | |
A globalização numa perspectiva sociocibernética |
Globalization - a sociocybernetic perspective
Sumário:
Análise da sociocibernação, no campo da cultura e da tecnonologia trnsnacionais, interligando consumismo, redes de massa e redes cibernéticas. Realce para os efeitos socioculturais e sociopolíticos da globalização cibernética, centrados na criação e universalização do cibernantropo. Descreve-se a instauração de um sistema social lógico e a expansão de uma organizaçào social axiológica e ideologicamente homogênea, em escala planetária.Abstract:
Analysis of sociocybernation , on the field of transnational culture and technology, relating consumerism , mass nets and cybernetic nets. The cybernetic globalization sociocultural and sociopolitical consequences are enhanced, centralized in the cybernanthrope’s generation and universalization. A logical system instauration and a growing up social organazation form homogeneous axiology and ideology in planetary scale.Homo homini lupus (T. Hobbes)
1. Antecedentes cosmopolitas
Movimentos universalistas têm sido bastante freqüentes no decorrer da história. Podemos citar o surgimento dos grandes impérios, como ilustração. Embora a maior parte destes impérios ostente militarismo, exploração econômica e subjugação política, relegando para segundo plano questões culturais,eles são, sem dúvida, expressões inequívocas, nuas e cruas, de um dos ingredientes essenciais da universalização: a dominação.
Na mesma linha estão os movimentos de colonização européia a partir dos descobrimentos, onde civilização, cristianismo e exploração colonial são confundidos, na construção de impérios multicontinentais.
Outra vertente do cosmopolitismo bastante expressiva na evolução da história tem sido representada pelas diversas religiões. Estas costumam encobrir o objetivo da dominação econômica e política pela fachada ideológica, identificada com uma ordem divina, verdadeira farsa ou simples máscara para interesses que costumam geminar práticas políticas e religiosas em autêntica prostituição axiológica. Ninguém ignora o fato de a Igreja ter-se tornado, na Idade Média, a maior multinacional de todos os tempos.
No plano cultural, podemos lembrar a crônica pretensão das letras, ciências e artes de assumirem posição cosmopolita, sem bandeiras de nacionalidade e sem fronteiras geográficas. Não se pode deixar de observar nesta pretensão duas situações opostas: por um lado, é impossível dissociar a cultura da dependência econômica e política, condição que pode reduzir o fenômeno cultural a um discurso ideológico mascarado; por outro lado, as diversas manifestações culturais têm-se prestado à materialização de desejos de emancipação e liberdade de pensamento e de expressão que não cabem em nenhum modelo de dominação, seja nacionalista seja cosmopolita.
A burguesia, como expressão da dominação contemporânea da estrutura social, pela sua cultura universal, como o capital em que se apóia, não tem bandeiras nem nacionalidade. Aliás o sentimento nacional é monopólio dos dominados; os países são apenas acidentes geográficos, dos quais decorre o acidente da nacionalidade. Este sentimento serve apenas para aprofundar a dominação universalista da burguesia. Esta concepção da estrutura social centraliza os diversos fatores da globalização.
Na organização econômica contemporânea três aspectos são essenciais: a expansão das empresas multinacionais, a prevalência do sistema financeiro internacional e a exploração/dependência norte/sul. Diante destes três pilares da organização internacional todo o resto é secundário.
Diante desta constatação, o termo colonização é certamente mais adequado do que cosmopolitismo ou globalização. E, do colonialismo europeu da Idade moderna e contemporânea, passando pelo neocolonialismo transnacional, até a sociedade cibernética global, certamente a dominação vai-se aprofundando. Pode-se também observar uma certa redução ideológica da globalização à instauração plena do liberalismo radical burguês, em que a noção de capitalismo selvagem atinge seu significado mais sofisticado. A própria falácia da identificação do socialismo com o capitalismo de Estado do bloco comunista, feita pelo capitalismo ocidental, com a derrocada desse bloco, tem sido propagada como afirmação absoluta, universal e inquestionável do modelo burguês como sinônimo de verdade, justiça, ordem e verdadeira natureza social, numa perspectiva cosmoplita.
O desenvolvimento tecnológico tem propiciado grau crescente de eficiência a este modelo econômico e, por isso, tem desempenhado papel central em todos os processos de internacionalização. Um novo imperialismo, mais disfarçado pelo consumismo, mais diluído pelo aparato tecnológico, está-se instaurando num sistema sociocibernético universal. Por outro lado, também podemos vislumbrar alguns elementos de profundas transformações sociais que podem ocorrer na sociedade cibernética.
2. Tecnologia transnacional
Como prolongamento da ciência e da economia, áreas transnacionais, a tecnologia afirma sua natureza universalizante, materializando as condições mais importantes para a expansão neocolonialista.
A evolução tecnológica pode ser dividida em três etapas: 1. fase pré-industrial, - caracterizada pelo aparecimento de máquinas rudimentares e invenções muito espaçadas; 2. revolução industrial, - dominada pela mecanização de todos os setores da produção, grandes invenções e desenvolvimento técnico acelerado; 3. revolução pós-industrial, - marcada pela generalização da automação e pela instauração da inteligência artificial no domínio da organização social. A primeira etapa da evolução tecnológica gastou alguns milênios para produzir mecanismos primitivos, em número extremamente reduzido; na segunda, o incremento científico e a eficiência técnica aceleram de tal forma a mecanização que, num século, se produziu mais conhecimento do que em toda a história anterior da humanidade; o crescimento tecnológico evoluiu de tal forma que, em alguns casos, escapou ao controle dos próprios técnicos. Na última fase, aprofunda-se o desenvolvimento da tecnologia e criam-se máquinas que, na revolução industrial, sequer eram imaginadas. A generalização da inteligência artificial está na origem dos mecanismos mais aperfeiçoados, produzidos nesta etapa da evolução tecnológica.
Costuma-se encarar, devido à ignorância, o complexo já existente como dependente da ação dos grupos econômicos, políticos ou tecnocratas ; trata-se de uma situação transitória. É freqüente considerar-se o crescimento tecnológico como um mal para o homem, ignorando-se todas as contribuições da ciência e da técnica para melhorar as condições de vida da humanidade que, em sua grande maioria, pode atingir padrões de vida que, em épocas passadas, eram privilégio das minorias dominantes. Existem movimentos de contestação da tecnologia, motivados por miopia intelectual, saudosismo sentimentalista ou conservadorismo cultural. Alguns grupos, que tentam evitar a expansão da cibernética e do cibernantropo, valorizam as formas de vida primitiva e vêem na tecnologia a besta do apocalipse.
Alguns grupos econômicos e políticos servem-se inescrupulosamente da ciência e da técnica para realizar interesses inconfessáveis, prejudicando outros grupos e motivando algumas das rejeições humanistas feitas ao desenvolvimento tecnológico. No entanto, a automação se desenvolve inexoravelmente no sentido da cibernação total da sociedade. E o conceito desta nova sociedade certamente não está sujeito a condicionantes regionais ou nacionais.
A transnacionalização do novo modelo social passa pela implantação da automação do sistema econômico, centralizando o domínio da computação. O sistema de comunicação eletrônica se funde com o sistema de produção e com a organização administrativa, refletindo-se em outras áreas, como a dominação política e a difusão cultural.
A organização sistêmica atinge o máximo de centralização; as mensagens são uniformemente codificadas, procurando reduzir-se ruídos e desvios ao nível mínimo. É sensível uma evolução sistêmica no que se refere aos veículos e instrumentos de interação entre os geradores e os executores. No sistema embrionário, os agentes mecânicos são apenas executores, cabendo toda a decisão a elementos humanos. Num estágio intermediário de automação, os elementos mecânicos colaboram na elaboração e determinação das decisões; atingindo o estágio do sistema cibernético de organização empresarial, social ou política, os geradores humanos são substituídos por elementos mecânicos, permitindo que a eficiência e a logicidade sem transformem em critérios básicos e imprescindíveis para a formulação de decisões.
Quando o controle do sistema se encontra nas mãos de elementos humanos, as perturbações emocionais, a instabilidade estrutural do homem e sua tendência para a irracionalidade impregnada de juízos de valor de orientação retrógrada geram uma grande dificuldade para garantir-se um mínimo de organização que permita a nomenclatura de sistema. O domínio cibernético se inicia na área da administração econômica e das redes de comunicação. Dominados estes dois campos, torna-se relativamente fácil estender a cibernética a outros setores da vida social.
Efetivamente estão controladas pela cibernética as atividades mais importantes da organização social; no plano do controle das necessidades materiais, o domínio da economia garante a cibernação, a partir da base da estrutura social; ao nível da ideologia, a rede de comunicações permite a manipulação abrangente das instituições e das classes ou grupos sociais, alimentando, gerando e perpetuando necessidades artificiais com o objetivo de alongar indefinidamente o conflito e a tensão que permitem a dominação social fácil do indivíduo e da massa. O crescimento da complexidade social torna cada vez mais difícil a manutenção da organização; as sociedades industriais e pós-industriais atingiram um estágio crítico, não se vislumbrando outra forma de organização eficiente, a não ser aquela que é centrada na automação e cujo centro de referência é um sistema de computação e uma eficiente rede de comunicações para veicular eletronicamente as decisões do sistema.
3. Consumismo global
O homem primitivo desconhecia o conjunto de atividades que a moderna economia classifica como trabalho. Quando a saturação demográfica gerou a necessidade do trabalho e se afirmou a lei do mais forte, a espécie humana se dividiu em escravos e homens livres, trabalhando os primeiros para garantir o bem-estar dos segundos. A história nos mostra que os homens que exerceram a dominação social sempre tiveram aversão pelo trabalho e, em muitas épocas, proclamaram o trabalho como infâmia e função animalesca que degradava o homem, social e intelectualmente. Há características biológicas e históricas na aversão pelo trabalho.
Quando a revolução industrial determinou a abolição nominal da escravatura, como forma de estimular a produção, aprofundando ainda mais a exploração do homem pelo homem, tornou-se necessária uma campanha doutrinal, no plano internacional, para eliminar, nas classes trabalhadoras, os aspectos pejorativos e degradantes ligados ao trabalho. A nova mentalidade elimina a infâmia e a degradação, instrumentalizando o trabalho como realização humana e social. É claro que tal receita ideológica, elaborada e determinada pela elite, jamais foi vivida ou existencialmente introjetada pelas classes superiores.
A revolução pós-industrial, produzindo a divisão mecânica do trabalho, em paralelo à divisão social do trabalho provocada pela revolução industrial, gerou alterações substanciais no sistema de produção e nas demais atividades. A automação do sistema provocou a criação diversificada de novos setores de atividade; trata-se de uma fase intermediária entre a exploração do trabalho humano e de sua eliminação. Atingimos, com a tecnologia, um estágio da evolução social em que a aversão pelo trabalho não é apenas uma imposição da natureza biológica ou da cultura da elite.
Na sociedade cibernética, tal aversão resulta também de uma nova força social: a automação. Esta prescinde do trabalho humano, porque este é ineficiente e desorganizado pelas emoções; simultaneamente a função produtora do homem é substituída pela ação consumidora. Pela primeira vez, na história da civilização, o interesse básico do sistema coincide com o anseio mais profundo das massas, quando se evidencia a conveniência social de eliminar o trabalho humano. O sistema quer livrar-se de sua inoperância ao mesmo tempo que o homem quer deixar de ser besta de carga. A nova dialética não se situa entre o trabalho e a necessidade, mas entre o lazer e a satisfação. Esta nova realidade finalmente liberta o homem de uma profunda neurose de origem ideológica: a necessidade psicológica do trabalho.
A sociedade de consumo surge como conseqüência simultânea de várias forças, diferentes mas convergentes. Entre elas, podemos referir a revolução industrial e pós-industrial que, automatizando o sistema de produção, reduziu o homem à condição de consumidor, uma vez que seu trabalho foi substituído pela ação mecânica; o desejo desenfreado do sistema capitalista de aumentar indefinidamente os lucros, recorrendo à ampliação do consumo, como meio de aumentar a produção; a colocação da cultura e das redes de comunicação a serviço dos interesses econômicos, expandindo uma mentalidade consumista; a instauração da consumocracia, promovendo uma inversão axiológica nas relações entre produção e consumo e entre trabalho e lazer.
Enquanto se promove, em plena revolução industrial, uma ideologia em que o trabalho é a principal forma de dignificação humana, com a revolução pós-industrial, a ideologia vê-se instrumentalizada e forçada a agir em outra direção; efetivamente não tem mais sentido sistêmico valorizar o homem por uma atividade que se tornou contraproducente, frente à eficiência das máquinas; difunde-se então, discreta mas eficazmente, uma nova ideologia que promove a dignificação do homem e sua realização pelas coisas que tem e, principalmente, pelas novas coisas que sempre está adquirindo, para logo depois se desfazer delas e as substituir, num movimento obcecado pelo ter e consumir, cada vez mais vazio de ser, no plano existencial. Surge o dapanantropo. Mais do que nunca, o homem é valorizado pelo que tem e por sua capacidade devoradora de produtos, num processo em que o supérfluo se torna essencial.
Aprofundando o nível da insatisfação superficial, a sociedade de consumo estimula neuroticamente a necessidade da voracidade crescente. Geram-se necessidades artificiais que complementam ou contradizem as necessidades básicas. Inverte-se repetidamente a importância do natural e do artificial no campo do necessário. O supérfluo é estabelecido como imprescindível e o secundário como básico para incentivar a continuidade e a neurose do consumo. Este estado neurótico se universaliza e se normaliza. Conseqüentemente, a não participação da mentalidade e da prática consumista centrada no supérfluo significa automaticamente a marginalização social do indivíduo.
Já na antiguidade clássica surgiram algumas correntes filosóficas que centralizavam a vida humana no prazer, tendo a doutrina de Epicuro se tornado célebre. A organização social, em sua complexidade, cronicamente vem criando obstáculos à satisfação e à busca do prazer, em relação à maioria; instaurou-se a dominação baseada na carência e na privação; generalizou-se o humanismo sado-masoquista, centrado no sofrimento e na aceitação conformista da miséria humana; as religiões propagaram uma moralidade em que o prazer passou de elemento natural à condição de referência pecaminosa e monstruosa. Tudo isto para assegurar os privilégios da classe dominante.
Estes aspectos socioculturais, claramente inibidores das forças naturais do homem, se aprofundaram e contribuíram, numa primeira fase, para restringir as condições de vida hedônica à minoria dominante; numa segunda fase, geraram o conformismo da privação e garantiram o monopólio do hedonismo à elite; entretanto, as camadas inferiores consumiam as migalhas do prazer, chegando freqüentemente a estados hedônicos patológicos, de satisfação ultra-subjetiva.
A sociedade tecnológica, pelo seu caráter materialista, pela necessidade do consumismo e pela libertação do homem do maior sofrimento da história, - que é o trabalho, - desmistificou o humanismo patológico, eliminou a hipocrisia anti-hedonista e fez o homem reverter ao seu estado de origem de animal em busca do prazer, como qualquer outra espécie. Mesmo nas épocas da história em que o sado-masoquismo mais se acirrou, - como é o caso da cultura, moralidade e religiosidade medievais, - o homem jamais conseguiu suprimir sua tendência natural para o prazer; naquelas circunstâncias a dor e o sofrimento eram freqüentemente sublimados e transformados em prazer patológico.
O desenvolvimento da ciência e da tecnologia torna bem claro o caráter deturpante da cultura e da educação tradicionais, insistindo na propagação de concepções anti-naturais, acerca da existência humana. A nova era restaura o humanismo primitivo onde a fuga da dor e a busca do prazer físico se constituem no fator primordial da realização humana; num segundo estágio, observa-se a afirmação dos prazeres culturais, morais ou psicossociais. Estas duas ordens se afirmam na sociedade tecnológica; o cibernantropo assume sua condição de animal hedônico: é sua natureza instintiva que se manifesta e se afirma no hedonantropo. Verifica-se assim uma aliança entre o progresso material e técnico da sociedade e o valor central da existência: o prazer. Na verdade, em todas as épocas, o homem foi assim mas somente na era cibernética a maioria atinge as condições da minoritária elite que sempre viveu para o prazer.
4. Redes de massa
O maior instrumento da globalização cultural na sociedade tecnológica tem sido certamente o conjunto das redes de comunicação de massa. A abrangência, extensão e eficácia dessas redes estão na raiz das maiores transformações na virada do século. A redução deste planeta a uma aldeia produziu uma verdadeira revolução espaço-temporal.
Já o velho Aristóteles classificou o tempo com a medida do movimento. O racionalismo de Kant especulou sobre a transcendentalidade do espaço e do tempo. Sem dúvida, podemos atribuir ao tempo existencial características bem diferentes daquelas que podem ser observadas num cronômetro, como pode deduzir-se das especulações de M. Heidegger. O estado de espírito do homem, com suas ansiedades, esperanças e incertezas, transforma o tempo existencial numa esfera predominantemente subjetiva.
Quando situamos a dimensão temporal no contexto sociocultural, constatamos a relatividade originada pela efemeridade das perspectivas existenciais do homem tecnológico. A cultura tecnológica aprofunda as tensões, alimenta os conflitos e, pelo seu controle, aprimora a manipulação social. Trata-se de uma espécie de instabilidade transubjetiva, introjetada a partir da revolução permanente, gerada pela aceleração tecnológica. Não se deve pressupor que tal aceleração traz consigo o crescimento da desorganização social ou do comportamento divergente.
Devido ao domínio da cibernética, atingiu-se o controle das mudanças sociais, estabelecendo-se o equilíbrio entre a mutabilidade axiológica e a estabilidade das instituições centrais, controladas pela inteligência artificial. Encontramos neste novo modelo dois campos mais ou menos distintos: o da logicidade cibernética, de onde emanam as forças que garantem a estabilidade, e o da dispersão emocional, - intrínseco ao comportamento humano, - de onde se origina a instabilidade. A diversidade produzida pelo segundo campo não coloca em risco a padronização e homogeneização produzida pelo primeiro. Desta forma, ao mesmo tempo que se respeita a diversificação dos valores periféricos, se desenvolve e aprofunda a unidade dos valores centrais do sistema.
O dinamismo crescente que constatamos na sociedade cibernética, acelerando as mudanças na periferia sistêmica, atinge o subjetivismo consciente do homem, gerando nele a sensação de impermanência existencial. A estabilidade subconsciente, produzida pelo condicionamento sociocibernético, se fortalece. Embora a transitoriedade predomine ao nível da consciência subjetiva, a permanência interna se aprofunda, como resultado e reflexo da influência do modelo organizacional cibernético. Deve ainda realçar-se a importância das redes de comunicação na revolução das noções de espaço, tempo e movimento. Mais do que transcendência kantiana, trata-se de verdadeira transmutação espaço-temporal.
O processo de comunicação humana tem evoluído com as condições socioculturais e, mais recentemente, de acordo com o desenvolvimento da ciência e da tecnologia. A primeira forma de comunicação, que podíamos chamar de microcomunicação, estabelecia uma relação interpessoal. Numa segunda fase, afirmou-se a comunicação intergrupal, representando uma ampliação de campo ou abrangência. A tendência histórica é a institucionalização de todas as relações humanas, determinando o modelo de comunicação intra e interinstitucional. A predominância da formalização leva à logicização da comunicação.
A automação do processo de comunicação criou as condições necessárias ao estabelecimento do macrossistema de comunicação. Aprofundando e entrelaçando sistemas diversos numa convergência internacional, sem barreiras políticas, geográficas ou culturais, atinge-se uma comunicação sistêmica cosmopolita.
A tecnicização da comunicação provoca a supressão do espaço e a redução do tempo ou, pelo ângulo inverso, sua ampliação. As distâncias são eliminadas: pela comunicação eletrônica, trazemos o mundo inteiro instantaneamente até nós. Basta ter ao nosso alcance um terminal do sistema, - um simples aparelho de rádio ou televisão ou um microcomputador, -para nos tornarmos cidadãos do mundo. Em outras palavras, a macrocomunicação reduz o planeta a uma aldeia. A mais clara tendência é a transferência das ações institucionais para o sistema de comunicação. Este passa a agir como mecanismo multinstitucional e transnacional. Transforma-se na principal agência de difusão cultural e científica e é instrumentalizado como principal processo de manipulação ideológica, alcançando verdadeira diaforonecrose universal.
Como tal sistema se encontra a serviço de interesses econômicos e políticos dos grupos dominantes, -pelo menos numa fase intermediária, - sua ação está voltada para o consumismo e para a deterioração da intelectualidade. A par da crescente concentração dos meios de comunicação, se observa uma dispersão qualitativa da informação. Num estágio mais avançado, quando a autonomia tecnológica é alcançada pelo sistema, é provável que se verifique a inversão do processo no sentido da recuperação qualitativa do teor da comunicação, como resultado da libertação do sistema da direção emocional de geradores humanos.
5. Redes cibernéticas
O segundo grande instrumento da globalização são as NETS, aparatos computerizados que constituem a espinha dorsal da comunicação cibernética, dando um impulso definitivo para a instauração universal da sociedade tecnológica. Embora ainda estejam fora do alcance das massas, ocupam lugar estratégico na organização transnacional e a tendência é de superar as atuais funções dos meios de massa.
A computação tornou-se um processo imprescindível nos modelos organizacionais contemporâneos. A eficiência das máquinas que produzem inteligência artificial é inquestionável, se a confrontarmos com a quase permanente inoperância humana, determinada pelas limitações da inteligência natural. Quando falamos de computerização, significamos a introdução do uso de computadores em todas as áreas da atividade humana. É a centralização cibernética da administração; a sistematização política centrada na tecnologia; a pesquisa científica organizada e elaborada por meios artificiais de inteligência.
Todo o controle social passa a ser organizado e determinado por centros de computação; os órgãos de decisão passam do controle humano para o controle mecânico; as decisões, determinadas por máquinas inteligentes, são executadas tanto por elementos mecânicos quanto por humanos. O grau mais acentuado da computerização se verifica na simbiose eletrônica entre o cérebro humano e o computador. O homem computerizado supera o homem biológico, - de capacidade intelectual rudimentar e primitiva, - do mesmo modo que os modernos complexos empresariais superam as primitivas empresas, organizadas à base do artesanato e da improvisação administrativa.
A computerização se inicia pelas áreas centrais da organização social; depois vai dominando as áreas periféricas e secundárias do sistema, até se instalar no interior dos indivíduos. A revolução pós-industrial marca o advento da tecnocracia. Os primeiros computadores estão superados. Cada nova geração de máquinas inteligentes marca uma etapa decisiva para se atingir a plena instauração da dominação mecânica. Não é necessariamente uma dominação forçada ou violenta; é claramente uma dominação agradável e desejada. Aproxima-se a época em que a máquina será capaz de fazer tudo. As limitações intelectuais e a impotência agente do homem são finalmente remediadas pela ação mecânica e pelo pensamento artificial.
Muito freqüentemente, vítima de miopia cultural, o homem se atribui a exclusividade da inteligência, negando-a tanto às demais criaturas da natureza como às criações da tecnologia, como é ocaso do computador. Fechado no castelo de sua própria ignorância, esse espécime pré-histórico ignora que os outros animais têm cérebro e, com ele, podem ter inteligência; é dominado por uma ficção ideológica que concebe a inteligência como faculdade espiritual, autônoma em relação ao organismo animal.
Esse homo ignorans também não admite a possibilidade da construção de um cérebro artificial, baseado no desenvolvimento da eletrônica, pois não concebe outro tipo de máquina a não ser o da concepção grega clássica de instrumento capaz de efetuar movimentos mecânicos. Quando se fala de cérebro eletrônico, estamos usando um termo impróprio, quer no que se refere à estrutura da máquina inteligente quer em relação à sua capacidade. Efetivamente, a frágil e deteriorável estrutura celular do cérebro humano é muito inferior ao complexo eletrônico que constitui o computador; a capacidade de manipulação de dados, - um dos nomes para classificar a inteligência artificial, - é milhões de vezes superior à do cérebro humano. Trata-se, pois, de uma condescendente analogia a classificação do cérebro humano como fonte de inteligência; é pretensiosa para o homem a classificação do computador com cérebro eletrônico, dada a insignificância da capacidade intelectual natural.
A concepção da máquina inteligente como hipercérebro resulta das pequenas semelhanças entre o pensamento natural e a inteligência artificial. Praticamente todas as qualidades do cérebro humano podem ser encontradas no computador, mas em proporções bem mais amplas. Também dificilmente encontramos na máquina inteligente as perturbações inerentes ao organismo humano e ao seu comportamento emotivo. Digitação, programação, processamento, sensores artificiais captam as informações; a inteligência artificial reflete sobre os dados, combina-os e recombina-os; atinge novos conhecimentos nem sequer imaginados pelos programadores originais; o hipercérebro alcança uma certa autonomia intelectual, realiza sua reprodução industrial e instaura um processo de verdadeira evolução da inteligência artificial.
Os supercomputadores acabarão dominando as redes cibernéticas e todos os usuários, em todos os cantos do globo, tendem a tornar-se navegadores cosmopolitas. A informatização das redes de comunicação universaliza um aparato tecnológico padronizado e multinacional. Software e hardware são universais. Os meios determinam naturalmente a globalização. O imperialismo tecnológico materializa a padronização, os conteúdos informacionais são mera conseqüência.
Quando Aristóteles escreveu seu Organon, - primeiro grande tratado de lógica que se conhece, - estava elaborando um conjunto de princípios e normas, historicamente definido como lógica clássica. Modernamente desenvolveu-se a lógica matemática, de caráter mais simbólico, aprofundando a lógica clássica, Ao lado desta evolução filosófico-científica, podemos ainda constatar uma certa influência da lógica em outros campos que ultrapassam os limites da ciência, como é o caso do saber jurídico e da organização institucional. No entanto, nas sociedades pré-cibernéticas, a estrutura social e seus reflexos no comportamento humano são predominantemente emocionais.
A realidade da sociedade tradicional nega frontalmente o delírio aristotélico que definiu o homem como animal racional. A racionalidade tem-se constituído, através da história, num ideal filosófico, muito mais do que uma realidade existencial abrangente. A vida do homem pré-tecnológico é um firmamento escurecido pelas emoções com algumas estrelas ou lampejos de racionalidade. No campo da organização social, onde se pressupõe ser a lógica o instrumento fundamental, numa suposta logicidade do sistema jurídico, se verifica a prevalência das emoções instituídas. A justiça seria o equivalente social da lógica. No entanto, essa lógica social tem uma existência crônica plena de desvios lógicos.
Na sociedade cibernética, com um sistema organizacional centrado na inteligência artificial, a possibilidade e a necessidade do domínio lógico são estruturais. Toda a estruturação da máquina inteligente e a construção do pensamento artificial são feitas em bases lógico-científicas, não se permitindo as constantes perturbações que costumam prejudicar a inteligência natural, originadas na manifestação da emotividade. Sendo lógico o sistema, os elementos humanos que dele participam são condicionados a assumirem o pensamento e o comportamento lógicos. O fim do predomínio das emoções começou no momento em que se criou o pensamento artificial e este superou a inteligência biológica.
A valorização da filosofia, em épocas passadas, decorria da importância social da erudição. A revolução industrial coloca a filosofia num plano secundário e aumenta o valor social da técnica; tal fator é ainda mais realçado pela revolução pós-industrial. A importância da ciência, nas sociedades tecnológicas, resulta de vários fatores. A tecnologia progride apoiada no desenvolvimento científico e, na perspectiva do sistema, a ciência é valorizada não por ela mas pelos serviços que presta à tecnologia.
A relação dialética entre cientistas, técnicos e tecnocratas não esgota naturalmente os fatores que fortalecem as ciências. De certo modo, os técnicos são meros executores das descobertas, indicadores e determinações da ciência, resultando daí uma importância maior dos cientistas do que dos técnicos. Por outro lado, as possibilidades de ação técnica são mais limitadas do que as da investigação científica. O aumento do tempo livre da maioria das pessoas pode levá-las ao aprimoramento intelectual, ao desenvolvimento da cultura erudita e à busca, em grande escala, do conhecimento científico. A verificar-se tal hipótese, cresce enormemente a importância social da ciência. Acrescente-se o fato de haver uma dependência crônica em relação à ciência na busca de soluções para os problemas mais sérios que afligem a humanidade. Também não se deve desprezar o fato de que o aprofundamento científico freqüentemente é acompanhado de mecanismos que dificultam o acesso a informações especializadas, fortalecendo o valor dos privilegiados pelo seu oligopólio.
Pode ainda situar-se a gnosiocracia no plano cibernético. Quando se constatam as possibilidades de aquisição do conhecimento científico, de sua comprovação ou demonstração, bem como de sua reelaboração, - qualidades estas privilegiadas pelo pensamento artificial, - não resta dúvida de que a gnosiocracia se afirma claramente no modelo sociocibernético, centrado nas máquinas inteligentes. Nesta hipótese, o sistema cibernético, assessorado pelos cientistas, dar-lhes-ia uma posição destacada no novo modelo de organização social.
É nesta conjetura que se fortalecem não só os autores da ciência mas também os estímulos que levam à busca e à difusão do saber, dentro de uma perspectiva cibernética, devido à natureza do novo sistema de geração cognitiva, construído num grau de automação, abrangência e universalização crescentes.
Home pages, sites e nets, entre muitas outras, são expressões que ultrapassam o contexto cibernético e representam um fator concreto da globalização. Através das redes cibernéticas de comunicação, materializa-se o inglês como idioma universal. Talvez seja o processo mais eficaz que a história conhece no plano da instauraçã o de uma língua transnacional, ultrapassando modelos imperialistas tradicionais ou processos colonialistas convencionais.
6. Efeitos socioculturais
Desde os primeiros dias de sua existência, o indivíduo é programado de acordo com os padrões sociais dominantes. A transmissão da cultura cibernética visa a identificação perfeita entre os valores e normas sociais e a consciência e o caráter individuais. Usando os recursos técnicos, a sociedade introjeta nos indivíduos, se instaura dentro deles e os molda de acordo com os interesses da organização. São cerceados os interesses e as forças individuais que não podem ser canalizados para atender à espectativa do sistema; promove-se a consciência da identidade entre as necessidades individuais e os anseios sociais; condicionam-se as aptidões do indivíduo dentro do contexto sociocibernético.
Introjetam-se os mecanismos de controle, como garantia da nova ordem social. Estimula-se o desenvolvimento cerebral, a partir da manipulação genética, fortalecendo-se processos de aprendizagem cientificamente elaborados. A infusão do conhecimento e da nova ordem axiológica, dominada pela lógica, cria as condições para o surgimento do cibernantropo. A inteligência é tecnicamente desenvolvida. O homem é condicionado, através de estruturas mentais determinadas ciberneticamente para se realizar no lazer e na harmonia da integração social. Na nova sociedade, se identificam as necessidades básicas do homem, sua satisfação e seu prazer com as necessidades da sociedade.
O cibernantropo, - produto científico da sociocibernação, - não é conservador nem inovador; é funcional. Voltado dinamicamente para o futuro, acompanha e assume as mudanças com naturalidade. Não tem princípios morais, mas apenas uma estruturação mental logicamente determinada, moldando sistematicamente seu comportamento. O desenvolvimento individual é promovido, não no sentido da personalização mas visando a harmonização social ou a identidade com uma concepção coletiva. O homem é explorado em todas as aptidões; desenvolvem suas potencialidades, devidamente orientadas no sentido da eficiência e da logicidade.
Mais do que em qualquer outra, na sociedade cibernética o bem estar do indivíduo se identifica com os interesses do sistema e o aprimoramento deste se reflete em todos os seus elementos. A sociocibernação é um processo de condicionamento da máquina sobre o homem; o resultado normal é o crescimento das semelhanças entre o homem e a máquina, fortalecendo-se o domínio cibernético na estrutura interna do homem.
Podemos situar o enfraquecimento ou o desaparecimento das diferenças em vários níveis: a padronização mental, gerando estruturas intelectuais uniformes e introjetando nos indivíduos uma visão sociocultural única; promovendo o enfraquecimento dos valores periféricos diversificados e fortalecendo valores centrais uniformizantes, na elaboração dos padrões morais e na formação do caráter; estimulando pragmaticamente o isomorfismo comportamental; diminuindo ou destruindo as barreiras sociais que separam os indivíduos ou os grupos; promovendo a igualdade social, pelo enfraquecimento da estrutura de classes; diminuindo, pelo recondicionamento social, o desejo de dominação, a vontade do poder e o desejo de exploração do homem pelo homem.
Muitas destas hipóteses são consideradas utópicas, mas tem que se observar que o principal instrumento de dominação e diferenciação se situa, em toda a história, na manipulação das necessidades: os homens são inferiores e dominados quando não possuem os meios para satsifazerem suas necessidades. A minoria superior é a que consegue satisfazê-las, perpetuando, ampliando e aprofundando as necessidades da maioria inferior. Esta dialética da necessidade-satisfação- poder acompanha toda a história das civilizações.
A sociedade tecnológica tende a eliminar as duas forças básicas que geraram a diferenciação na estrutura social: a necessidade e, simultaneamente, a dominação nela baseada. Efetivamente, o progresso tecnológico, a automação generalizada e a instauração universal do consumismo levam à satisfação material da massa, em confronto com a satisfação exclusivista das elites dominantes nas sociedades tradicionais. Ao mesmo tempo, o comando do sistema passa das mãos dos homens para as máquinas.
O sistema sociocibernético não só retira a dominação das mãos do homem, mas também recondiciona sua mentalidade, desvalorizando a vontade do poder. No novo sistema todos são iguais, não como acontece na ficção jurídica das sociedades tradicionais ou nas utopias socialistas, mas porque todos são receptores do mesmo sistema e executores de suas decisões ou determinações, elaboradas a partir de uma ordem lógico-cibernética.
Já as culturas mais antigas tentaram instaurar uma igualdade entre os homens, no plano emocional, na estrutura mental e mesmo na interiorização de tabus. A homogeneização é um esforço sociocultural provocado pelo crescimento da complexidade da organização social. Simultaneamente desenvolve-se um esforço jurídico, de origem político-ideológica, para institucionalizar a igualdade de direitos e deveres, tentando estabelecer uma igualdade formal e externa.
São constantes, através da história, os esforços de homogeneização emocional, mental e jurídica. No campo doutrinal, a filosofia antiga promoveu, mais ou menos inconscientemente, um certo tipo de homogeneidade abstrata, ao conceber uma natureza humana, como generalização essencial; é uma concepção acientífica, dificilmente fundamentável, mas representa uma fórmula intelectualizada de homogeneização, na afirmação de uma essência de uma natureza humana igual e da existência concreta, circunstancialmente diferente.
Podemos fazer uma transferência desta concepção filosófica para o plano da axiologia social, colocando ao nível da essência os valores sociais centrais e, ao nível da existência os valores sociais secundários ou periféricos. A sociedade cibernética encontrou os instrumentos necessários à efetivação da homogeneização em escala universal. A difusão cultural e a manipulação ideológica haviam alcançado, nas sociedades tradicionais, um certo grau de igualdade estrutural; a religião, a moralidade, a erudição e a educação sempre foram usadas com esse objetivo.
Nas sociedades pós-industriais, a implantação da cultura de massa, de caráter universalizante e padronizante, apoiada na abrangência e na eficiência do sistema de comunicação eletrônica, aprofundou as características massificantes do modo de pensar, sentir e agir dos indivíduos. A redução cultural de homem a um número ou peça de uma engrenagem não significa apenas sua despersonalização, mas também uma espécie de redução psicossocial e axiológica a padrões uniformes. Como resultado desta uniformização globalizante, concretizou-se a gênese de estruturas internas idênticas em todos os indivíduos, na medida em que elas refletem cada vez mais claramente o modelo social único que os condiciona.
A mudança que pode ser observada nas sociedades tradicionais é quase sempre superficial e de escassa freqüência. Tais sociedades, quer pelo domínio privilegiado de classe, quer pela estrutura institucional, promovem a perpetuação de um sistema de valores onde o passado é mais importante que o presente e o futuro. O conservadorismo que alimenta essas sociedades mantém uma estrutura axiológica cujo centro é inalterável, permitindo mudanças apenas em sua periferia. Deste modo, as mudanças estruturais são praticamente inexistentes; permitem-se e, às vezes, fomentam-se mudanças superficiais, como forma de sustentação do sistema e fortalecimento dos valores centrais.
O desenvolvimento científico e tecnológico tem produzido o crescimento da mudança, de forma aprofundada e acelerada. As mudanças sociais são cada vez mais abrangentes, devido à universalização cultural; o grau de profundidade ultrapassa a periferia do sistema e começa a atingir o centro; o dinamismo que domina a ciência e a técnica se reflete na organização social e em sua estrutura axiológica, comprimindo a freqüência das mudanças em crescente aceleração.
A mutação social é algum tipo de inversão efetuada nos valores que centralizam o sistema, sendo, portanto, uma mudança estrutural. Se nas sociedades pré-industriais, as mudanças estruturais são raras, podemos afirmar que, nas sociedades pós-industriais mais avançadas, dominadas pela cultura cibernética, tais mudanças também não são prováveis. Mas, numa fase de transição profunda, - como a que se opera na cibernação da sociedade, - as mutações são freqüentes. Valores centrais são substituídos: a transição do trabalho para o lazer, da emotividade para a racionalidade, da moralidade para a lógica, do espiritualismo para o materialismo do antropocentrismo para a mecanocracia. Estas e outras sociomutações, na centralização axiológica, caracterizam uma situação passageira da evolução social: após o sistema sociocibernético estar plenamente implantado, volta-se à estabilidade orgânica e à mudança periférica controlada e planejada. Se a resistência humana à mudança é um problema social, maior é o da resistência à mutação; daí, talvez só o desaparecimento dos reacionários à nova ordem cibernética ou sua marginalização sistêmica possam efetivar plenamente a nova estabilidade.
7. Conseqüências sociopolíticas
A organização econômica, social ou política há muito tempo vem-se atribuindo o nome de sistema. No entanto, seu grau de organização era tão precário que, a rigor, tratava-se de uma forma caricatural de sistema.
Devido à aliança entre a informática, a eletrônica e a rede de comunicações, tornou-se possível concretizar o verdadeiro sistema social. As primeiras formas de viabilização sistêmica de importância social aconteceram no processo de comunicação e na administração empresarial; dessa forma, a cibernética dominou duas áreas vitais da organização social. Nas sociedades tradicionais, são as instituições as mais ostensivas manifestações da organização social concreta.
Com o advento da cibernética, algumas instituições, - principalmente aquelas onde predomina a objetividade e a lógica, - adotaram o modelo cibernético como base organizacional. Ao contrário, aquelas instituições que são dominadas pela subjetividade e pela valorização da emotividade, sempre manifestaram uma certa aversão pela tecnicização dos modelos centrados nas relações interpessoais. Pode observar-se que as áreas institucionais onde predomina a segunda situação não são vitais para a organização, sob o prisma específico do sistema.
Quando se tolera a permanência dessa mentalidade retrógrada é porque ela não interfere seriamente na eficiência da organização sistêmica. Tal liberdade emocional pode até atuar como sustentáculo estratégico da manipulação social alcançada pela ciborganização. Neste modelo, o condicionamento é tão penetrante que as formas ilusórias de opção comportamental, ao mesmo tempo que dão aos indivíduos (melhor classificados como elementos) a sensação de autonomia e independência em relação ao sistema, criam o ambiente propício à manipulação do inconsciente, ampliando a eficácia do controle.
À medida que os elementos humanos são secundarizados e recondicionados, amplia-se a possibilidade da ciborganização em grande escala, direcionada para a universalidade e tendo a rede de comunicações como sistema nervoso social.
A dominação social, através da história, tem sido exercida sistematicamente por minorias, quase sempre identificadas com um determinado tipo de elite. Desde as sociedades tribais, onde predomina a elite sociopolítica, representada pelo conselho de anciãos, até as sociedades pós-industriais, dominadas pela elite tecnocrata, constituída pelos detentores do oligopólio dos segredos da construção e do uso da tecnologia. Nestas últimas, embora persistam a elite econômica e a política, dominando a maior parte das atividades sociais, pode observar-se uma tendência organizacional mais ou menos clara: a crescente influência dos tecnocratas nas decisões da organização econômica e nas determinações do exercício do poder político.
A dominação dos técnicos é precedida e acompanhada do prestígio dos cientistas que criam as condições e oferecem os conhecimentos necessários ao progresso técnico. É difícil, muitas vezes, distinguir a elite científica da elite técnica, podendo a conjugação das duas ser identificada, em algumas sociedades avançadas, como embrião de uma nova minoria dominante.
A tecnicização da sociedade e a cibernação da dominação social, concretizada na transferência do poder para um complexo de computação que centraliza o sistema sociocibernético, reduzem qualquer elite dominante a um plano subalterno: é a mecanocracia. Mas, mesmo quando os elementos humanos são afastados do centro da organização e reduzidos a meros executores do sistema, o grupo que permanece mais próximo de centro das decisões é constituído por um pequeno clube fechado de cientistas e técnicos especializados, cuja função é manter e abastecer o centro sistêmico no plano funcional e cognitivo; este pequeno grupo se constitui no principal meio e instrumento de interação entre os geradores do sistema, - o complexo computerizado das máquinas inteligentes, - e os restantes elementos do sistema.
Na fase de transição para a sociedade cibernética, todos os tipos de elites enfraquecem, em função do fortalecimento da elite tecnocrata. E, mesmo quando esta elite é relegada a um plano secundário, continua se constituindo no grupo humano de maior importância no novo modelo de organização social, em que a dominação é racionalizada, logicizada e transferida à inteligência artificial. Os tecnocratas autênticos são a primeira manifestação concreta da evolução do homem para o cibernantropo; são eles os responsáveis pela criação dos primeiros ciborgs, -formas simbióticas de organismos humanos com elementos mecânicos. São eles também os principais responsáveis pela cibernação social, como artífices da sociedade cibernética emergente.
A superação do homem pela máquina assume importância social já na revolução industrial; tal superioridade se verifica originalmente no plano da energia mecânica, da velocidade e da efici6encia no sistema de produção. A partir desta revolução, a máquina vai ampliando, lenta mas inexoravelmente, sua importância na organização sócio-econômica.
O surgimento do pensamento artificial e da máquina inteligente, medula da revolução pós-industrial, constituiu-se em marco fundamental na efetivação da supremacia da máquina. Quando os sistemas de computação são introduzidos na organização empresarial, nas redes de comunicação, na planificação institucional, praticamente todas as decisões importantes passam a ser analisadas, elaboradas e determinadas pela inteligência artificial. Além do mais, convém lembrar que a inteligência artificial ainda está em sua fase embrionária. A gerência da sociedade passa a ser feita por ela; os gerentes humanos, - diretores empresariais, chefes institucionais e responsáveis pelos meios de comunicação social, - passam a exercer funções subalternas, como meros instrumentos auxiliares do sistema autômato. Tais funções auxiliares incluem a manutenção material do sistema, fornecimento parcial de dados à inteligência artificial e a veiculação das decisões para os escalões inferiores da organização. Estes gerentes humanos evidentemente são apenas serventes do sistema, embora alimentem, muitas vezes, a ilusão da gerência e sejam possuidores de um status superior, pela proximidade que os liga ao centro do sistema, - constituído por gerentes mecânicos do novo sistema sociocibernético.
A partir da implantação da nova hierarquia, centrada na inteligência artificial, a máquina assume o controle das decisões sociais. Os elementos humanos do sistema vão sendo deslocados para áreas subalternas e inferiores da organização social. Desta forma, se amplia uma área periférica do sistema: o campo das atividades de lazer. Ao mesmo tempo que se reorienta o homem para uma nova forma de vida, centrada na satisfação, ele é afastado do miolo da organização.
Tal afastamento não é resultado de uma prevenção do novo sistema contra os elementos humanos nem de rivalidade pelo poder entre eles e as máquinas inteligentes que passam a dominar o sistema. É que, para o funcionamento eficiente do novo modelo organizacional, o homem é um sério obstáculo e, como tal, precisa ser afastado do centro de decisão. O hedonismo dominante na sociedade cibernética se fortalece pela necessidade de reduzir a participação humana nas áreas centrais do sistema. Por essa razão não parece muito plausível a mecanofobia freqüentemente explorada pela ficção científica.
Quando a organização econômica se automatiza as decisões do sistema passam a ser determinadas mecanicamente pela inteligência artificial, é natural que a organização política sofra a influência dessa automação. A automação política se inicia pelo sucesso eleitoral conseguido através dos veículos de comunicação de massa; pesquisas eleitorais são feitas com tratamento eletrônico; projeções eleitorais são feitas com o auxílio da inteligência artificial; organismos políticos são planificados e administrados por sistemas de computação. Trata-se de um estágio de transição entre o exercício político das sociedades convencionais, - organização precária sob a responsabilidade de elementos humanos, - e a organização política mecânica, centrada nas máquinas inteligentes.
No momento em que a sociedade passa a ser gerida eletronicamente, desaparecem as deturpações oriundas das emoções que costumam dominar o exercício político, como ambição, ganância, corrupção, vontade neurótica de poder, radicalismo e extremismo. Desaparecem os desvios do exercício político, motivados por interesses pessoais ou partidários, por ideologias ou compromissos inconfessáveis; não há mais lugar para a relatividade do direito, a ambivalência ética ou para a aplicação emocional da justiça. Atinge-se a efetivação de uma organização realmente sistêmica.
Ficará difícil a dominação de classe sobre a massa, pela impossibilidade de formas totalitárias de governo, exercido em função de interesses de minorias, agindo arbitrária e despoticamente sobre a maioria. A nova dominação política, baseada na organização do modelo cibernético, é fria, objetiva, imparcial e universal. Se ela fere o complexo de superioridade que domina a espécie humana, pelo fato de concretizar politicamente a superação do homem pela máquina e sua sujeição a um sistema gerido mecanicamente, também oferece vantagens organizacionais e sociais que compensam amplamente a ferida temporária do sentimentalismo medíocre dos humanistas conservadores.
Com a mecanopolítica, o homem, mesmo quando serve a máquina, encontra melhores condições de vida do que quando um homem era dominado por outro e a maioria sofria para satisfazer os caprichos de uma minoria. A polêmica que pode gerar-se pela servidão do homem à máquina é apenas um ressaibo de especulação filosófica doentia. No novo sistema, os elementos humanos são receptores e não emissores ou geradores; as decisões emanam do pensamento artificial; a nova estrutura traz vantagens não só para a organização mas também para a existência dos humanos.
A impregnação cibernética da organização política, por si só, impõe a instauração de um modelo universal autômato, relegando ao passado organizações e governos regionais ou nacionais.
8. E o ser humano?
Resta o cibernantropo. No plano físico, não se distingue sensivelmente do homem tradicional, a não ser por um natural aprimoramento resultante da aplicação da ciência e da técnica. Não é um andróide ou um robot. Trata-se de uma nova espécie humana. Encontraram-se os mecanismos de controle biológico, podendo agora aplicar-se um processo de verdadeira eugenia científica. Como o primata está para o homem, está este para o cibernantropo.
O cibernantropo possui uma nova estruturação psíquica; o sistema social de valores que ele interioriza está inserido numa concepção existencial bem diferente da tradicional. Não é um autômato, mas seu comportamento tem muito poucas chances de se desviar dos padrões socialmente estabelecidos. Em vez do controle eletrônico que costuma estabelecer-se sobre os andróides, o cibernantropo possui uma série de mecanismos psicossociais quase tão eficientes quanto o controle eletrônico. Nas sociedades tradicionais costuma o homem reproduzir o meio em que é criado; normalmente o indivíduo reflete a estrutura mental e emocional das pessoas que o educaram; há uma tendência natural da socialização para transformar o processo numa agência de reprodução. Tal reprodução envolve a interiorização do sistema social de valores, o modo de pensar, sentir e agir; podemos falar de uma reprodução das personalidades, no plano psicossocial.
Cada agente de socialização se repete nos socializandos. Transpondo o processo de socialização, - que preferimos chamar de sociocibernação, - para as sociedades pós-industriais, de elevado índice de automação, podemos deduzir que o novo homem, socializado pela máquina, num sistema de valores dominado pela lógica, reproduzirá naturalmente a nova estrutura axiológica que o condiciona. E, se a força do condicionamento social já é tão eficiente nas sociedades tradicionais, a ponto de eliminar algumas forças instintivas, qual não será o resultado do condicionamento num sistema sociocibernético?
O cibernantropo é frio, porque tenta reproduzir o procedimento da máquina, sem sentimentos, emoções ou instintos; em virtude de tal condicionamento, estas forças naturais são enfraquecidas ou canalizadas de acordo com os interesses do novo sistema. Só com o domínio cibernético, o homem tem chance de viabilizar uma característica que sempre se atribuiu: a racionalidade. Atinge assim um nível de coerência que não conheceu em nenhuma época da história, aproximando-se mais da natureza e reproduzindo parcialmente a concepção de vida do homem primitivo. Assim se tocam dois extremos: o primitivismo naturalista e o desenvolvimento da racionalidade, iniciado pela filosofia, viabilizado pela ciência e concretizado pela cibernética. O cibernantropo não se reproduz em laboratórios; ele se processa no meio social, ou melhor, está-se processando nas sociedades mais evoluídas, numa transformação mais ou menos gradativa e inconsciente.
Trata-se de um processo de superação. Esta superação se situa, nas sociedades tradicionais, no misticismo das religiões. Nas sociedades pós-industriais, tal superação se verifica em outro plano. A ciência oferece a possibilidade da superação da ignorância crônica que domina a humanidade através da história; cria os meios técnicos para superar as deficiências físicas e as doenças que sempre a atormentaram; produz as condições necessárias à superação de muitas de suas limitações biológicas e mentais.
O desenvolvimento tecnológico gera um crescimento material de recursos que torna possível eliminar a histórica escravidão do homem pelas suas necessidades básicas e acaba com o principal instrumento de dominação do homem pelo homem, - sempre apoiado na exploração dessas necessidades. O metantropo se distingue fundamentalmente do homem pré-industrial pela ultrapassagem axiológica que efetuou e que, na linguagem de Nietzsche, poderia ser caracterizada como passagem da moral dos escravos para a moral dos senhores; desta forma, o metantropo seria uma versão adaptada do super-homem proposto por esse filósofo vitalista.
Liberto do masoquismo místico, saboreando a satisfação material da existência, vive o presente e o futuro, rejeitando seu próprio passado, este novo homem eliminou o estado de depnd6encia interna permanente e doentio das sociedades tradicionais. Está inserido numa nova ordem dominada pela racionalidade; seu comportamento é regulado pela lógica uma vez que a ética se tornou desnecessária, por ser ela uma necessidade decorremte do descontrole emocional das velhas sociedades. Ao mesmo tempo, desaparece a insegurança gerada pela ignorância que contaminava o antigo modelo de sociedade.
Este novo homem não tem alergia ao progresso científico, não tem medo da máquina e naturaliza a transferência do controle social para o domínio mecânico; integra-se harmonicamente no sistema sociocibernético, não sofrendo a freqüente miopia intelectual do homem pré-técnico; normaliza a simbiose do organismo com a máquina, sabendo que esta é também uma forma de aprimoramento e superação. Não está preocupado em dominar ninguém, porque também ninguém o domina. Não se preocupa em ser superado pela máquina inteligente porque isso significa sua libertação da escravização do homem pelo homem. Tal serenidade resulta naturalmente da prevalência da logicidade e da plenitude sistêmica.
O aparecimento e proliferação do metantropo, produto da sociedade cibernética, representa um passo decisivo para a humanidade atingir os objetivos que sempre colocou e nunca alcançara: satisfação plena, vida indefinida, prazer natural permanente e conhecimento sem limites. Pela primeira vez em sua história, o homem pode-se realizar plenamente. Por outro lado, os retrógrados, avessos à ciência e à tecnologia, são espécie em extinção.
O convívio humano que resulta de contatos primários é característica dominante das sociedades atrasadas, das zonas rurais ou de pequenos grupos sociais. A industrialização e a urbanização estabeleceram um modo de vida em que o contato primário, interpessoal, foi sendo reduzido, favorecendo a generalização do contato secundário e das relações impessoais. Observa-se, assim, uma tendência inversa entre a formação de grandes aglomerados populacionais e o convívio humano. A instauração da sociedade de consumo e da sociedade de massa se constitui num marco decisivo para o surgimento do monantropo.
Neste modelo social, o homem deixa de ser considerado pessoa e passa a ser encarado como máquina devoradora de produtos ou idéias-mercadorias. Não se consideram valores pessoais ou anseios individuais. Por um processo de condicionamento gradual irreversível, vão sendo determinados seus anseios, de acordo com as necessidades do sistema. Sua personalidade se transforma num programa que vai reger seu comportamento no sentido de atender aos objetivos sociais. Não se trata mais de um indivíduo mas de uma entidade numérica numa grande engrenagem em que se transformou a nova sociedade.
A complexidade urbana, a generalização do anonimato, o surgimento da selva de pedra e a massificação são alguns dos fatores que contribuíram eficazmente para a despersonalização dos indivíduos. O significado metafísico da pessoa morre na massificação e, com ela, a freqüência das relações interpessoais é minimizada. Na sociedade pós-industrial, o contato entre as pessoas é apenas físico, freqüentemente; não têm significação social que ultrapassem seus papéis sociais e suas funções profissionais. Generaliza-se o contato meramente formal e expande-se o anonimato.
O homem vive no meio da multidão, mas não convive com ninguém, como pessoa; a multidão nas ruas, o apinhamento nos transportes, a moradia em casulos sobrepostos, as turbas nos campos de esportes e os enxames humanos nas praias são manifestações sociais freqüentes. Nelas, raramente se verifica convívio humano; mesmo as relações mais íntimas são, muitas vezes, mero contato de objetos humanos e não relações interpessoais, - caso da prática sexual em expansão. Os indivíduos não se encaram como pessoas, mas como objetos. E esta é uma perspectiva mútua dessas relações, reproduzindo, ao mesmo tempo, a mentalidade consumista e o reflexo da visão do sistema. Neste contexto, cresce a sensação da solidão.
O monantropo conhece muita gente mas não tem amigos; está no meio da multidão, mas permanece sozinho. É um eremita urbano, isolado no seu pequeno casulo, centralizando em si mesmo sua perspectiva existencial. É social sob o ponto de vista funcional e solitário existencialmente.
9. Monideologia?
A diversificação ideológica, característica das sociedades tradicionais, resulta do confronto de grupos de interesse econômico, do choque de sistemas de organização coletiva, de antinomias entre os sistemas de valores, de contradições entre regimes políticos, da transitoriedade e circunstancialidade das culturas; é fortalecida pelos bairrismos políticos e regionalismos culturais e, principalmente, pela relatividade de fatores axiológicos.
O pluralismo ideológico, sob o ponto de vista cultural, decorre da falta de unidade econômica e organizacional. À medida em que se promove a uniformização cultural, a internacionalização econômica, a interdependência política e a universalização da massificação, criam-se as condições para atingir a unidade ideológica. A instauração da sociedade cibernética, que não conhece barreiras econômicas, políticas ou culturais, é naturalmente acompanhada do desaparecimento natural ou forçado da diversidade e do confronto de ideologias. Sabe-se que cada ideologia reflete, representa e sustenta um sistema social e a conseqüência lógica da redução de todos os sistemas ao sistema sociocibernético é a unificação ideológica.
Esta unidade não se atinge pela força ou pela eliminação dos elementos que difundiam as várias ideologias; é um processo natural de universalização axiológica que resulta do recondicionamento padronizado, em escala transnacional; tal unidade faz parte estrutural da cosmopolitização gerada pela implantação da sociedade cibernética. A monideologia é, no entanto, apenas um estágio intermediário na evolução das sociedades pós-industriais. Efetivamente, não se concebe uma ideologia sem outras ideologias, como não se concebe uma classe social sem outras classes. Faz parte da natureza da ideologia a existência da antítese, sendo uma ideologia, em grande parte, a negação de outra.
Ao atingir-se a unidade universal da economia, da política, da cultura e, principalmente, de estrutura axiológica, não há mais lugar para ideologias diversas, sendo a existência de uma só ideologia o caminho natural para o desaparecimento de ideologia, no significado que ela tem nas sociedades tradicionais. Além disso, ao analisar a natureza e a origem das ideologias, verifica-se que as aberrações emocionais operantes nos sistemas tradicionais são fatores determinantes na elaboração ideológica. O disfarce da realidade, efetuado pelas ideologias no plano sentimental, não tem vez num sistema sociocibernético; a inversão da realidade na consciência dos indivíduos, promovida permanentemente pela difusão ideológica, não pode verificar-se num sistema cibernético, onde a coerência e a lógica são exigências fundamentais.
Como a ideologia é um esforço cultural a serviço de interesses escusos, para garantir e perpetuar a dominação de certos grupos sociais, não se pode conceber um sistema baseado na lógica da justiça social, precisando recorrer à sujeira da manipulação ideológica para se manter. E esta é, sem dúvida, a grande vantagem de um sistema gerido pela inteligência artificial numa sociedade inteiramente globalizada.
***
Finalmente, convém deixar uma consideração:
A existência de alguns pontos de encontro entre duas linhas em que o real e o imaginário podem misturar-se: esta construção lógico-cibernética de abordagem sociológica a alguns parecerá uma nova utopia social. Somente o tempo desfará a dúvida e esclarecerá o risco.
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